2008/12/08

09/12/1980 - “...o sonho acabou, o que posso dizer? O sonho acabou, ontem.”

"The dream is over
What can I say?
The dream is over
Yesterday" God - John Lennon
09/12/1980
Já não era uma manhã normal, estava ansioso, tão ansioso quanto pode estar um jovem que acumulava dúvidas a cada despertar; que descobrira que o mundo é grande demais para caber em seus planos; que as verdades são relativas e as mentiras são muitas vezes apenas divergências das reflexões da mente, idéia que da “mente se tira”.
Descobrira que a cada passo que dava mais distante ficava daquilo que imaginava ser seu caminho que a cada pessoa que conhecia mais introspectivo ficava.
Manhã quente aquela, na qual se via como personagem do “Ultima sessão de cinema”, com aquele sentimento de incomodo por se sentir no primeiro dia de um devir incerto. Manhã quente aquela na qual se sentia como um apêndice em seu próprio meio e o seu meio, antes uma unidade indivisível, revelava-se agora um universo fadado ao fim por ter se tornado tão heterogêneo.
O sonho acabou – depois de dez anos essa frase se fez coerente. Estava na hora de acordar (bicho).
“O futuro é sempre maior do que o passado.
O futuro é sempre maior do que o passado.
O futuro é sempre maior do que o passado”.
Sentado pensava, como sempre pensava. Ele era do tipo que sonhava muito mais do que agia, um subproduto da geração dos anos 60.
Por ser de 62 era muito jovem para participar da geração “paz e amor”, tendo recebido de bandeja todas as benesses adquiridas com as conquistas dela. Estava em Portugal em 68, onde a poucos quilometros Cohn Bendit arrebatava Paris.
Jovens de todo o mundo se mobilizavam. Foram anos em que uma nova arma se pôs contra aqueles que queriam manter o status quo: a informação.
Nos anos 60 jovem era sinônimo de atitude, mudança, imposição, confronto. Foi a época do experimental, da inconseqüência produtiva, anos aos quais Manuel Castells creditou três processos independentes: revolução da tecnologia da informação, crise econômica do capitalismo e do estatismo e apogeu de movimentos culturais e sociais, tais como libertarismo, igualdade étnica, direitos humanos, feminismo e ambientalismo.
Como se pode ver, esses anos criaram muito mais do que a revolução sexual. Pode-se por em questão se a liberação sexual adveio da luta dessa geração ou se ela foi um instrumento. Fernando Gabeira diz que um dos pontos essenciais na possível relação dessa geração com o poder é o erotismo. Já Marcuse propunha uma transformação social que tivesse como objetivo a liberação das dimensões estético-eroticas das pessoas.
Seja como for, lutavam por mudanças, não pelo poder.
Na década de 70 aqueles jovens já não eram mais tão jovens e perderam a sua identidade, formaram famílias, conquistaram patrimônios e substituíram o “nós” pelo “eu”. Passaram a viver em conflito consigo mesmo.
E a contra cultura virou produto.
“Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada”
Em 1970 aquele que se intitulara “herói da classe operária” avisara que o sonho tinha acabado, que agora era cada um por si de novo. Ao se ser acordado de maneira abrupta demora-se um pouco para despertar, para se ter noção de onde se está, e foi o que aconteceu com essa geração. Tiveram de aceitar a nova ordem e cada qual buscar o seu lugar na sociedade.
Agora a geração que viria não teria uma identidade a seguir; sem heróis, sem parâmetros. E foi nessa nova ordem que ele cresceu, numa década de muito papo cabeça, música cabeça, cigarro cabeça, cinema cabeça, rum e coca na cabeça.
“... os tempos da história não são os tempos de nossa fantasia.” - Fernando Gabeira.
Seus pensamentos foram interrompidos pela entrada abrupta de uma figura singular, o Regis – um Punk de butique, loiro, alto, magro, falante e boa gente – que entrou no vaticano trajando uma braçadeira negra (vaticano era a denominação dada a uma das salas do colégio Objetivo, por seu tamanho excessivo) e anunciou aquilo que no momento foi para todos o deslocamento da parede a qual durante anos muitos se mantiveram apoiados: a morte de John Lennon.
Rito de passagem, talvez esse tenha sido o dele. Gênese de outra pessoa. Ele que já havia, mesmo que inconscientemente, derrubado seus ídolos, largado as utopias, agora se via livre da ancora que se faz ser a figura de um ícone aos olhos de um jovem.
Não era mais aquela pessoa que acreditava que o mundo tinha concerto, que tinha amigos especiais, que nada iria macular seus conceitos.
Iconoclasta que era assassinou um por um seus heróis, não sem antes tê-los ingerido, mastigado e digerido.
É nesse ponto da vida em que se tem coragem, ou não, para enxergar os defeitos do seu progenitor – o que te levar a conjecturar que se é derivado de algo imperfeito, imperfeito se é -; quando se vê capaz de derrubar do altar a santa da sua mãe ao perceber os atos egoístas e manipuladores de toda mãe e quando o Deus todo poderoso não lhe parece mais capaz de resolver os problemas humanos.
Chapman deu cinco tiros no mito e extinguiu a inocência. Matou o último emblema verossímil para uma facção de teimosos sonhadores.
A morte aumenta o ídolo. Para ele, que tinha ciência de toda pequenez humana de John, a morte não o fez vê-lo diferente.
John era realmente mais popular que Jesus e ao ser crucificado apenas passou a ser um produto ainda mais lucrativo.
"Viver é melhor que sonhar" .
O sonho acabou, o que posso dizer? O sonho acabou, ontem....



2 comentários:

Perdido na Trilha disse...

vc me fez chorar cara...let it be...

Anônimo disse...

Nossa!!! Aquele 09/12 foi bem marcante pra vc!!! E com certeza para o Régis Motta de Oiveira (Esse era o nome completo), para mim e para muitas outras pessoas...
Quando li o seu texto, revi as cenas daquele dia, foi como se passasse um filme na minha mente... aos poucos a notícia se espalhando de boca em boca, e uns ficando intrspectivo com seu luto e outros externando com lágrimas silenciosas...