2009/11/23

Saber Envelhecer - Cícero

Há um ano exato iniciei este blog.
Mais um ano e hoje chego aos 47 anos.
Muitos lamentam o passar dos anos, eu bendigo.
Cícero em um dos seus tratados descreve uma réplica de Catão à Cipião onde ele diz: “Mas todo aquele que sabe tirar de si próprio o essencial não poderia julgar ruins as necessidades da natureza. E a velhice, seguramente, faz parte delas! Todos os homens desejam alcançá-la, mas, ao ficarem velhos, se lamentam. Eis aí a inconseqüência da estupidez!...”.
Que eu bendiga pelo menos mais 47 vezes.

Uma sociedade é constituída das suas memórias.
Um ser é constituído pelas memórias passadas pelos antepassados agregando as próprias experiências.

Discorro agora sobre a formação da memória, do seu conceito e do "meu envelhecer".

Compartilho uma das experiências mais marcantes que presenciei em 2009 que foi a interpretação do poema “The Lark” de Laurie Anderson, baseado no texto “Pássaros” de Aristóteles, onde ela mitifica o surgimento da memória.

The Lark – Laurie Anderson
Before the world began, there was just sky.
No earth, no land.
Only air and birds everywhere.
Billions and billions of birds.
And one of these birds was a lark and one day her father died.
And this was a really big problem
because there was no place to put the body
because there was no earth.
And it went on for five or six days and
they were all trying to think of what to do with the body.
And finally the lark had a solution:
She decided to bury her father in the back of her own head.
And this was the beginning of memory.
Because before this no one could remember a thing.
They were just constantly flying in circles.
Constantly flying in huge circles.


A Cotovia
Antes do começo do mundo, havia apenas o céu.
Nenhuma terra, nenhum território.
Apenas ar e pássaros em todo lugar.
Bilhões e bilhões de pássaros.
E um desses pássaros era uma cotovia e um dia seu pai morreu.
E isto era realmente um grande problema
porque não havia um lugar para colocar o corpo
porque não havia nenhuma terra.
E foi no quinto ou sexto dias e
eles estavam procurando achar o que fazer com o corpo
E finalmente a Cotovia teve a solução:
Ela decidiu enterrar seu pai na parte de trás de sua cabeça.
E este foi o inicio da memória.
Porque antes disto ninguém podia se lembrar de nenhuma coisa.
Eles só estavam constantemente voando em círculos.
Constantemente voando em círculos enormes.
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Mapas da Imaginação e da Memória:
A memória é essa claridade fictícia das sobreposições que se anulam.
O significado é essa espécie de mapa das interpretações que se cruzam como cicatrizes de sucessivas pancadas.
Os nossos sentimentos.
A intensidade do sentir é intolerável. Do sentir ao sentido do sentido ao significado: o que resta é impacto que substitui impacto - eis a invenção.
Ana Hatherly - 'A Cidade das Palavras'
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Don't think about me
If you think
that I want friends
If you think
that I like candies

You are wrong
You are wrong

If you think
that I need money
If you think
that I hate Monday

You are wrong
You are wrong

I just don’t care
I just don’t care

I only want to live in peace
to live sane
to live in grace

I only want to grow old with wisdom
to grow old slowly
to grow old with freedom

To forget that I’m human,
that I’m human.

Don’t think about me.
Don’t think about me.

Não pense sobre mim

Se você pensa
que eu quero amigos
Se você pensa
que eu gosto de doces

Você está errado
Você está errado

Se você pensa
que eu preciso de dinheiro
Se você pensa
eu detesto segundas-feiras

Você está errado
Você está errado

Eu apenas não me importo
Eu apenas não me importo

Eu apenas quero viver em paz
viver racionalmente
viver com elegância

Eu apenas quero envelhecer com sabedoria
envelhecer devagar
envelhecer com liberdade

Esquecer que eu sou humano,
que eu sou humano.

Não pense sobre mim.
Não pense sobre mim.

Edson Moreira
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2009/11/14

Lars Von Trier e o seu Anticristo

Filme totalmente simbólico
O filme discute a natureza humana e a natureza da natureza.
Prólogo:
Começa com uma ária de Hendel (única musica do filme, tendo partes por toda obra) Lascia Ch'io Pianga - Deixa que eu choro (leia o texto a ouvindo).
Referencia direta ao pedido que a mulher faz: Deixa que eu choro, deixa eu curtir a dor, elaborar o luto, que eu queime o que estou sentindo.
O grito do feminino.



Lascia la spinacogli la rosa;
tu vai cercandoil tuo dolor.

Deixa o espinho Colhe a rosa;
tu vais buscando tua dor.

Durante um intenso ato de sexo uma criança desce do berço, caminha pela casa e flagra os pais. Olha para eles e percebe que a mãe o trai com o pai. Descobre que a mãe não lhe tem como o único afeto.
Segue em frente até chegar em uma janela onde se encontram três bonecos representando os três pedintes.
Salta da janela e está morta, então, a antiga relação entre ela e a mãe.
A metáfora trazida pelos três bonecos se apresenta no centro do poema de Yeats – The three Beggars - onde ele fala que as pessoas estão passando fome – “por mais que se tente não há de onde tirar o alimento – tudo o que está ao redor é lixo”.
O poema é a historia do rei que vai ao encontro dos três pedintes e ao longo do poema não se sabe mais quem é, na realidade, o necessitado, se é o rei ou se são os mendigos.
É a velha dialética onde o criado diz ao senhor... “não sei se senhor tem medo de mim ou se eu tenho medo do senhor”.
O homem tem que tirar seu sustento da natureza, para isso a sangra.
A natureza tem que sobreviver, para isso o agride.

A mãe atingida pela pior tragédia na nossa cultura, que é a perda de um filho, elabora o seu luto – Dor advinda da noção de maternidade, uma noção construída pela sociedade à muito pouco tempo.

O marido um psiquiatra, indo contra a ética profissional, passa a assisti-la e a analisar.
Ambos vão para uma cabana em um espaço chamado por eles de Éden- Éden esse com presença das folhas do carvalho não da figueira -, lugar onde ela havia tentado desenvolver, tendo o filho ao seu lado, seu trabalho de tese sobre perseguição às mulheres.
***Ginecidio – assassinato de mulheres***
Ao adentrar no Éden ele a obriga a deitar no mato, a interagir com a natureza.
A natureza da mulher e a natureza da natureza são conectadas.
A natureza é representada por um carvalho.

Durante o filme o carvalho simboliza a luta dos elementos da natureza pela sobrevivência.
O carvalho é uma arvore isolada, expande as suas raízes ao longo de uma grande área para retirar energia de outros carvalhos que por ali tentem se desenvolver.
O carvalho que joga bolotas a todo o momento
O carvalho – no filme - contamina a mão do homem
O carvalho se defende, anula o seu redor para ser dominador do espaço
O carvalho quase que eterniza sua existência,
Representação da maldade da natureza.
A natureza não é mais o Éden original.

“A natureza é a igreja de Satã” – brada a personagem mais tarde. Não devemos subestimar o Éden.
Já a natureza humana é retratada com olhares Hobbesianos.
Enquanto você está bem alimentado, aquecido, descansado, sem dor você é o que chamamos de bom. Basta tirar uma dessas coisas que teremos experiências similares aos chamados “sobreviventes dos Andes”.
Somos pessoas tendentes ao egoísmo.
O poema volta em forma de tríades.

Aparece nova simbologia, agora animais.
Três símbolos dos mais tradicionais que existem:
A corsa – feminino, fecundidade – a corsa grávida perdendo o seu feto, dividida entre a floresta onde ela anda e a sua gravidez.
A raposa – astucia (no cap. 18 do Príncipe a raposa é um modelo).
O corvo – faz a travessia.
É exposto que a pesquisa da mulher, no decorrer do seu convívio com a natureza no Éden, tomou um novo rumo em que teoriza que a matança de milhares de mulheres na história é decorrente de atos de defesa da sociedade defronte a natureza da mulher – que é má.
A mulher é má e o que a Europa fez ao matar milhares de mulheres nada mais foi se defender da maldade feminina.
Assim como a raposa é astuta, a mulher o é no choro:
“Atrás de uma lágrima há uma atriz”.
“O choro da mulher é uma pausa para elaborar uma estratégia melhor”.
**Sociedade é misoginia ou vítima da mulher? **
O homem é perseguido, castrado e preso a uma pedra.
O homem está castrado e impedido de fugir,
Posse absoluta.
O homem se conscientiza que para sobreviver tem que se libertar.
O homem ferido para o sempre se vê na obrigação de eliminar a moléstia.
O homem ferido para o sempre, no Éden, elimina a fêmea.

A mulher antes temerosa à Natureza, ao final conspira com ela.
O homem começa a temer a Natureza quando passa a entender a própria natureza da esposa.

A última cena da obra mostra o homem em comunhão tanto com a natureza tanto com imagens figurativas representando o feminino que passam a cercá-lo no Éden.
A natureza das coisas são soberanas
O mundo não é o caos.
O mundo não é o paraíso.
O mundo apenas é, com o bem e o mal.

IMAGENS DA OBRA: http://www.flickr.com/photos/jadorelecinema4/sets/72157622343511041/show

Uma visão pessoal da obra – uma visão minha, não o que o diretor quis dizer:
Alem dessa visáo da natureza que nos cerca (a humana e a da natureza), talvez minhas questões levaram-me a enxergar algo mais onde aponta essa nova configuração do feminino.

Dois fatos, um onde ela narra ao marido, que se mostra ignorante à rotina do filho, os novos hábitos noturnos da criança e outro de ela ter levado a criança para o Éden durante o período de desenvolvimento da tese, enquanto, possivelmente ele continuou a sua rotina sem ter que se preocupar com o filho apontam para o homem milenar com a paternidade definida em prover e proteger.

Ela, mulher moderna, interrompe a maternidade para gozar, para usufruir do seu direito de ser feliz.
Abandona o filho para retornar à condição de una.
Sacrifica a maternidade em troca do gozo.